A mesma tragicomédia da infância.
Eu que achei que era crescido, eu que achei que era moço grande e decidido.
Descobri que sou e sempre serei um menino.
Tudo mudou rápido ao mesmo tempo devagar.
Tudo foi tão difícil ao mesmo tempo tão divertido.
Eu continuo falando muito de mim, sendo sincero e egocêntrico ao mesmo tempo, é como se o brilhantismo e o ridículo habitassem o mesmo corpo, e eu acho que é bem isso.
Lembranças.
Aos 5 ele tem sua vida dividida pelos outros, metade papai metade mamãe. Ele não entende direito o que é isso, mas pra quem nunca viveu o comum, o incomum é a realidade mais verdadeira e sincera que ele tem. Nada como o costume.
Aos 18 ele tem sua vida dividida por si mesmo, seu personagem puro e determinado, seu personagem perverso e preguiçoso, seu personagem que entrega todos os músculos do seu corpo por um prazer que nem ele mesmo sabe julgar porque é necessário. Ele não deixa de sentir medo, tampouco o arrepio, ele se entrega de todas as maneiras que alguém confuso pode se oferecer.

Aos 8 ele é obrigado a conviver com destinos e morais diferentes dos seus, por mais incompleto que fosse seu caráter de criança, ele sentia que sua perspectiva ia muito além da janela do 14º andar de um apartamento em São Bernardo. Ele se achava um herói, um diferente, alguém com todos os sonhos guardados pra explodirem na cara de quem o confrontasse, mas ele era uma criança, suas crenças não saiam da porta de seu quarto.
Aos 18 ele por decisão escolhe conviver com destinos e morais ainda mais diferentes dos seus, por escolha, ele descobre que tem escolha, por mínima que fosse, é ele quem decide se deve viver ou morrer. E por mais mortas que possam estar suas expectativas ele as maquia, o defunto fica atraente. O melhor de tudo, o defunto é máscara, seu potencial nunca brilhou tanto. Ele faz da desorientação seu mapa e do mistério solucionado e feliz o grand finale das suas metas, que ele jura que serão alcançadas.

Aos 10 ele muda de casa e rotina, brinca com cães que são lobos, escuta vozes que são choro, seu olho brilhava, mas ele não sabia se era alegria ou desespero, ele se julgava muito novo pra entender tudo aquilo, então ele faz da ingenuidade sua arma mais preciosa.
Aos 18 ele está numa casa e rotina diferente de 8 anos atrás, os lobos já devoraram parte de seu fígado, as vozes são gritos e o choro fora abafado a muito tempo, seu olho continua brilhando de desespero e alegria, ele teve que aprender o que era isso, e por mais estranho que pareça ele se orgulha da contradição, se orgulha de viver roteiros diferentes da mesma história, ele é obrigado a mudar de personagem periodicamente, e é isso que o faz forte.

Aos 14, começa a confusão, a parte da história que mais se assemelha com o inferno, se o inferno for o que ele pensa. Sua vida sexual é posta em pauta publicamente, é expulso de casa por um motivo tão ridículo quanto uma morte por engasgo e é nessa parte que ele realmente descobre que não nasceu pra ser o mocinho feliz e contente da história.
Aos 18 as respostas foram dadas e toda a humilhação dos 14 anos se volta contra quem as fez, ele admira quem é, isso que faz seus pecados não fazerem sentido. Ele se torna protagonista, vilão e ídolo de seu universo caleidoscópico.

Aos 17, o mundo se torna maior do que já é, todos os estímulos do seus corpo se voltam ao prazer, todas as vontades do seu corpo nunca foram tão compreendidas. Acho que é nessa parte que ele descobre o valor da sinceridade. Ele chega a conclusão de que todos são prostituídos até onde não fere o caráter. Ele vê o mundo com olhos de neon, ele vê o mundo todo ali do lado, ele agarra as chances com tanta força que as esmaga, ele voltou a ser ingênuo. Chegou a mesma conclusão dos seus 5 anos, o incomum é sua realidade mais verdadeira. A arte de gritar no escuro, qualquer coisa, pra quem quer que seja.
Aos 18 ele escreve e pensa que tem os mesmos problemas de sua infância, a diferença é que não existem príncipes, princesas, fadas, certo, errado, dragão, caverna, luz, nunca existiram conclusões. Existiram marcas, feridas que gritam mais alto que nossa voz. Não precisa falar, é só sentir. Agora ele ri, gostaria que depois de ler tudo isso ele escutasse o silêncio, seguido do ranger de uma balança no parque, ele segura a balança com as duas mãos, escuta o sinal e volta pra sala de aula: o recreio acabou.
Nunca houve recreio, nunca houve parque muito menos o ranger da balança.
Toda essa brincadeira era um ensaio da sua ingenuidade, ele podia não voltar pra aula quando escutasse o sinal, mas se fingia de domado e ensinado, ele faz isso até hoje.
E é por se um menino que faço da ingenuidade uma arma, os brinquedos da ganância perderam a graça. A tendência é matar insetos com sorriso, matar os sonhos por fora e deixá-los brilhar por dentro, até que tudo explode e você descobre que era ingênuo mesmo quando não queria ser.
Morreremos crianças, e eu amo ainda rir como menino.