quinta-feira, 14 de julho de 2011

Linhas Tortas, Traços Longos.


Você é uma folha em branco.

Em minhas mãos um grafite mais pesado.

Você cresce em traços, laços, abraços,

tons de cinza, ora fracos demais, ora brutos demais.

Você me deixa cansado.

Te apago, te refaço, te recuso, te abuso, te esqueço.

Meu desenho.

Você não anda em pernas retas,

você é torto, como eu.

mas eu te concerto, te ajeito, te alerto.

E antes de te colorir,

Te faço dormir, te dou um beijo.

Fruto de minhas mãos tremulas.

Meus pinceis grossos.

Você é seco, rude, sonolento.

Me ama em branco,

escuta em soneto,

fala com as mãos,

me beija os pés.

Meu amor, meu escravo.

Sorrio porque te tenho, choro porque quer partir.

Você é minha folha, minha inspiração.

Minha arte, desespero, criação.

O pingo que cai de dois,

o respingo que me cai das mãos.

Anda sozinho contando linhas.

Sai do meu caderno,

ultrapassa minha espinha.

Foge do opaco, do liso, do vácuo.

-

Se eu pudesse,

eu te lavaria até minhas mãos sangrarem.

te quero limpo, lento, louco.

te quero como nunca me quis.

te quero pra sempre e mais um pouco.

-

Sóbrio demais para amar

Bêbado demais para ir embora sozinho

-

Te desejo sorte.

Meu desenho, meu menino.

A arte que se criou sozinha.

Se leve com o vento, se perde minha linha,

se coube um ou dois garranchos, cicatrizes de papel,

pode fugir, eu te acho,

você é imperfeitamente estranho, você é meu.

-

Agora voe,

eu te dei asas, cores e abrigo.

Voe na brancura da sua coragem.

e se houver chuva, cuidado,

seu coração é de papel.










quinta-feira, 23 de junho de 2011

Pandora

A filha falha de Eva.

tentativa de aborto, sem sucesso.

nasceu, a primeira filha do mundo.

deixada sozinha no paraíso, enquanto sua única família era expulsa para o nunca.

viu Abel morrer

viu Caim matar

Eva pecar.

Adão perdoar.

a Terra cair.

o céu desabar.

Pandora, filha do fim do mundo.

criada por lobos.

amada pela lua.

surda, cega, sem a ponta dos dedos.

cabelos ruivos, olhos brancos, dentes tom de terra.

cuspia nas folhas, dormia no mar.

paz, pedra e paraíso.

ela sentia as ondas no joelho, o cheiro de sangue dos lábios.

lisa, leve, louca... plana na Terra dos homens.

Terra de homens habitada por uma única mulher.

doce paraíso.

doce sonho, doce terra, doce sangue.

aos 12, nua, rasteja, dança, mata, ama.

não existia medo naquele tempo.

Pandora era deus e o diabo, Pandora era o tudo, o Sol, a lua, o horizonte.

pôs-se a amar um ganso.

depois um pato.

depois o macaco traiu-a, e Pandora percebeu que não ver a ajudava a perceber como tudo que os olhos podiam ver era mentira.

ela se orgulhava de ser cega, orgulhava-se da surdez, mas sonhava que ouvia, e que via, e que tudo, tudo, não podia ser diferente.

Universo, Pandora, Tudo, Deus.

O que mais ela podia pedir?

Aquele era o paraíso, aquele era deus e o diabo, aquele era o Sol, e mesmo sem luz ela sabia que as criaturas iam dormir na fé de um renascer.

que havia renovação ela sabia.

não sabia se o que renascia era de fora, era de dentro, ou era outra mentira de um mundo mudo.

aos 13, ela resolve ir mais fundo. fundo. o que foi, será fundo? o que é fundo? fundo. reconhece? ninguém, nunca, fundo.

três dias subindo.

em cima de uma pedra.

muito vento.

cabelos de brasa esvoassados, soltos, sujos, vermelhos, mas covardes.

embaixo, água, ondas, espuma, fúria, pressa, poder.

poseidon grita de dor. gáia: geme, ri, chora e diz que morte acontece sempre.

Pandora e o alto de um penhasco, esse era o veneno doce que a humanidade devia chorar mais que a cruz.

Respira garota.

um passo pra frente, mais um, perde o equilíbrio...

recupera.

mais um passo, mais um, outro. saltou.

queda-livre.

som de vento.

os olhos ganham cor.

orelhas abrem.

os dedos surgem de um bater de asas.

Pandora viu o mundo por 3 segundos, o que viu era lindo, era verde, azul, amarelo, todas as coras, tinha até brilho.

Ouviu, por mais 3, o que ouvia deixou seu corpo leve, relaxado, calmas ondas, azul, som de raiva e de paz.

e as asas...

bateram, bateram, mas ela caiu.

não sabia voar.

caiu.

não sabia nadar.

caiu.

(som de queda na água)

viu o mar, reflexos de luz no azul, viu criaturas coloridas nadando, viu seu chão escuro, sem fim, sem dó.

afundava.

mais.

mais um pouco.

faltava-lhe o ar.

faltava-lhe o ar de alegria.

Pandora ria, ria tanto, ria alto, "tudo isso".

"EU"

Faltava-lhe o ar.

água nos pulmões.

doeu.

Pandora afundou de olhos abertos.

Asas abertas.

Pandora afunda até hoje.

e tem quem busque o paraíso...

um beijo Pandora.

sábado, 28 de maio de 2011

palavras complicadas

ontem me disseram...

que eu estava ausente ultimamente.
que eu parecia meio deprimido.
que nunca me viram assim e nunca gostariam de ver de novo.
que me associam a alegria, e a ausência desta em mim faz muita falta.
que muitos eram dependentes do meu sorriso e da minha felicidade de viver.

no fundo, são todos uns tristes, patéticos, deprimidos.

precisamos da felicidade do outro pra acreditar que felicidade realmente existe.

alimentar esperanças, segredo, revés, ou ironia.

fiquei feliz.

não nego. algumas vezes as pessoas ficam realmente felizes, acredite.

é rápido, mas ficam.

e você achando que cinzas eram o fim. seremos cinzas. mas não existe fim.

existe conflito, conforto e competência.
existe herança, história e homenagem.

enfim,
fico feliz por usarem a minha voz para aqueles que não sabem se expressar.
fico feliz que usem meu sorriso no rosto dos que não sabem sorrir.
fico feliz que você também usa essa máscara e me ajuda a fazer desta sociedade autótrofa.

imagine se todos fossem médicos...
a humaninadade nunca teria estado tão doente.

mas tem alguns, médicos da alegria, que corrompem seu conatus para fazer de um dia nublado uma tarde de sol amena.

meu desmérito, nunca agi com o impulso da felicidade para recuperar/salvar outras pessoas. foi tudo pra mim. eu faço o que convém às aparências de mim para mim mesmo. eu faço pro espelho. uma visão superficial de mim mesmo.

a gente nem se conhece.

e eu achando que conversar com as pessoas resolveria problemas como: falta de comunicação.
por mim, eu posso conversar durante horas com uma pessoa e não necessariamente haverá uma comunicação eficaz.

o que me dói, quando eu olhei no seu olho e disse que não sabia o que dizer. acredite, nunca fui tão eficaz. só não sei se você entende minha língua. isso pode ser um problema.

voltamos a comédia...

não sei mais o que dizer pessoas tristes.

só sei que existe um buraco no meu peito.

existe cerca elétrica na minha casa.
existe esperança.
existe toda a raiva, todo jogo, todo punho fechado.
existe uma estrela.
existe.
simplesmente existe.
existir é a única coisa na vida que a gente não pode controlar.
a gente só existe e pronto.
existe sem verso e sem prosa.
existe sem dívida, dádiva ou perturbação divina.

primeiro você existe, depois você pertence.
demora anos pra pertencer.
enquanto isso você continua existindo.
existir às vezes dói.
pertencer dói quase sempre.

e você pensando que não existia.
e você pensando que pertencia.

pertencer. palavra complicada. um dia eu pertenço, nem que seja a mim mesmo.
é bom pertencer.

agora eu existo.
só.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Prólogo do Sonho.


A inspiração me vem como um murro no estômago.

Dores de cabeça.

E intensa cegueira.

Num segundo eu me vejo em Baudrillard.

No outro não sei contar nem a até 3.

Sigo me fantasiando em destino.

Sorteando votos de confiança.

Reagindo como uma gárgula.

Tossindo.

Tossindo muito.

Cuidando de mim.

Cuidando dos outros.

Fingindo cuidar de mim.

Sorrindo pra parede.

Imaginando o céu além da neblina.

Sem sono.

Sem som.

Sem senso.

Sem escudo, sem arma.

Sem paz.

O típico esquizofrênico que vê vários de si.

Se persegue, mas não se encontra.

Escuto vozes de guerra, vozes de anjo, e vozes do que dizem ser Deus.

E quando me encosto ao travesseiro as vozes se atropelam.

Tento ouvir o som de uma só, o que caracteriza minha bipolaridade.

Meu corpo vira sentimento e todos os músculos viram coração.

E no fundo… Eu me vejo de novo na virtualidade de Baudrillard.

Tentando sentir algum carinho por entre meus cabelos.

Tentando sentir algum beijo em minha nuca.

tentando ouvir alguma voz que sussurra em meu ouvido, só em meu ouvido…

Eu te amo.

domingo, 8 de maio de 2011

Isso poderia ser um pedido de casamento minimalista

E se for pra me amar, me ame por inteiro...

não sou peça, palco, dívida ou dinheiro.

sou paz, sou raiva.

sou teu preto no branco.


dogmas monarquistas que exilam, encarceram, queimam, enforcam, e amam até a última gota de sangue.

não me ame ao meio.

Por favor, e se assim, não diga que me ama.

me respeite, me respire.

me pule, me vire.

me jogue dos lados, me cubra de braços.

e se eu não conseguir dormir, não durma comigo, ou me deixe ficar de olho ao lado..

me chame de louco, de alto, fale que eu falo rápido e me deixe atônito.

um dia eu me animo, um dia eu me rasgo.

é por esperar, é por querer.

espero mais que a mim e quero mil de mim.

sorte por te ter, pena que de leve.

e se leve, e se for, quero que me leve junto.

não tenho preconceitos, tenho juras, faltas e defeitos.

tenho todo o abraço que você nunca sentiu.

e todo o beijo que nunca sentirá.

tenho o desespero em vermelho, a paz em preto e a verdade em transparente.

tenho tudo o que precisamos, por meses, por anos.

por anos, e anos, primaveras, verões e fins de ano.

pelo tempo que amadurece, pela esperança que me fere.

pela certeza que eu nunca tive de ninguém, e espero ter de ti.

só tente decorar meu nome, que eu não me incomodo de abaixar pra te beijar.



sexta-feira, 22 de abril de 2011

Números

Um dia.

5 minutos de tédio.

(Leia escutando)


O número 1 pensava, pensava que pensava, não sabia dizer o que pensava. Mas ele estava dentro de si, tão fundo que perdido, tão distante que invisível.

O número 2 sabia no que ele pensava. Ria do que ele pensava. Gostava do que ele pensava, mas de medo do escuro preferiu continuar frio. Risca por instante e por privilégio o fósforo do entendimento, e apaga a cada segundo por covardia.

5 minutos de frio.

2 - O que foi?

1- Nada. Não fui, nem irei.

2 - Por que?

1 - Porque eu não sei, mas alguém sabe.

2 - Quem?

1 - Outra coisa que eu não sei.

2 - Você é vago.

1 - Você me irrita.

2 - Eu gosto de você.

1 - Por isso que você me irrita.

2 - Por que eu gosto de você?

1 - Não, porque você me deixa saber isso.


Silêncio.

30 segundos de burrice.

2 - Eu não te entendo.

1 - Isso eu sei.

2 - Você fala que não sabe de nada, mas age como se soubesse de tudo.

1 - Eu sei.

2 - Suas palavras tem ponto final.

1 - Suas palavras tem interrogação.

2 - São perguntas.

1 - Muitas.

2 - Então responde.

1 - Eu não preciso.

2 - Eu nunca fui grosso com você.

1 - deveria.

2 - É por isso mesmo que eu não sou.

Número 2 ri.

20 segundos de coragem.

1 - Fala mais...

2 - Pensei que você não gostasse.

1 - Cuidado com o que você pensa.

Número 2 ri de novo.

2 - Cala boca e diz que me ama...

1 - Você quer que eu cale a boca ou que diga que te amo?

2 - Agora você faz o que mando?

1 - Não, eu faço o que eu quero.

2 - E o que você quer?

1 - Calar o boca.

2 - Então você não me ama?

1 - Eu não disse isso.

2 - Então você me ama?

1 - Também não disse isso.

2 - Cansei de brincar disso...

Número 1 abaixa a cabeça, mostra-se sonolento.

Número 2 se afasta.

2 - Bom eu vou embora. De verdade, eu tentei ser legal com você, conversar com você. Ficar perto, te entender. Mas você não fala nada, não me mostra o que você sente ou pensa. Parece que eu te deixo entediado, te canso.

1 - Eu tô cansado.

2 - De mim?

1 - De não falar o que eu penso.

2 - Então por que você não diz, não responde minhas perguntas?

1 - Porque você sabe a resposta. Porque você quer ouvir da minha boca pra se sentir bem. E porque eu não sei dizer eu te amo.

Número 2 olha assustado, talvez medo, talvez por choque.

Número 1 continuo ali. Ele não queria ouvir, não queria sentir, não queria pensar. Ele só queria dizer eu te amo, e o fez com os olhos.

Por menores que sejam as declarações de amor, elas existem, em cada vírgula, acento, entonação, ponto final, exclamação, interrogação, reticências, ironia, pleonasmo, metáfora, antítese, e juntando com o contexto o número 1 implorava amor.

O número 2 matava as aulas de português.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Balé de Ganso.

Eu pensei que sabia brincar.

Os seus dedos grossos seguravam minha mão com força.

O que era aquela força?

Existem motivos pra tantas coisas, existem coisas com tantos motivos.

Eu só queria saber um motivo. Pra uma coisa.

Eu pensei que sabia entender.

Sua escola me reprova a cada cinco minutos.

Eu colo, mas não vejo respostas, cadernos, não vejo nem a pergunta.

Você deixou a lousa em branco. Mais uma vez.

Deixou a sala suja de giz, minha mesa rabiscada com sinais, meu lápis sem ponta, meus i's sem pingo, minha solidão sem acento, meu caderno sem linhas. E minha borracha, não te apaga mais.

Eu pensei que sabia jogar.

Suas cartas estão em branco.

Não tem coringa. Não tem rei. A dama chama Ofélia, se afogou pelo valete. Só o Ás foi ao enterro.

Eu pensei que sabia viver.

Mas só de pensar que eu ainda penso em você, faz-me questionar meu próprio juízo.

É um balé de ganso.

O cisne morreu lembra? Eu não vejo os bonitos. Eu vejo o torto, o manco e o patético, eu vejo o sonso, o rouco, o rato, o anoréxico.

Eu via os doentes. Agora eu vejo os mortos.

E se a morte condena quem respira, estou livre da cadeia da vida. Porque o ar carrega-me pesado, e eu não sei o que é um sussurro sem vão.

O vão imenso, entupido, pecado cego que preenche o que a vida não consegue consumir.

O vão que moro, o vão das coisas simples, o vão do silêncio, da esmola, do tropeçar nas palavras. Um vão de criança, que me mantém fresco fruto fraturado pela força do próprio chão.

Pela gravidade que me derruba de podre, despedaça-me, consome-me. Eu volto ao chão, à raiz.

Essa é a hora que eu abro os olhos e lembro do que eu sabia.

Lembro que não sabia mais.

Lembro dos jogos, da escola.

Lembro que um dia eu fingi que sabia.

Agora não finjo mais.