sexta-feira, 22 de abril de 2011

Números

Um dia.

5 minutos de tédio.

(Leia escutando)


O número 1 pensava, pensava que pensava, não sabia dizer o que pensava. Mas ele estava dentro de si, tão fundo que perdido, tão distante que invisível.

O número 2 sabia no que ele pensava. Ria do que ele pensava. Gostava do que ele pensava, mas de medo do escuro preferiu continuar frio. Risca por instante e por privilégio o fósforo do entendimento, e apaga a cada segundo por covardia.

5 minutos de frio.

2 - O que foi?

1- Nada. Não fui, nem irei.

2 - Por que?

1 - Porque eu não sei, mas alguém sabe.

2 - Quem?

1 - Outra coisa que eu não sei.

2 - Você é vago.

1 - Você me irrita.

2 - Eu gosto de você.

1 - Por isso que você me irrita.

2 - Por que eu gosto de você?

1 - Não, porque você me deixa saber isso.


Silêncio.

30 segundos de burrice.

2 - Eu não te entendo.

1 - Isso eu sei.

2 - Você fala que não sabe de nada, mas age como se soubesse de tudo.

1 - Eu sei.

2 - Suas palavras tem ponto final.

1 - Suas palavras tem interrogação.

2 - São perguntas.

1 - Muitas.

2 - Então responde.

1 - Eu não preciso.

2 - Eu nunca fui grosso com você.

1 - deveria.

2 - É por isso mesmo que eu não sou.

Número 2 ri.

20 segundos de coragem.

1 - Fala mais...

2 - Pensei que você não gostasse.

1 - Cuidado com o que você pensa.

Número 2 ri de novo.

2 - Cala boca e diz que me ama...

1 - Você quer que eu cale a boca ou que diga que te amo?

2 - Agora você faz o que mando?

1 - Não, eu faço o que eu quero.

2 - E o que você quer?

1 - Calar o boca.

2 - Então você não me ama?

1 - Eu não disse isso.

2 - Então você me ama?

1 - Também não disse isso.

2 - Cansei de brincar disso...

Número 1 abaixa a cabeça, mostra-se sonolento.

Número 2 se afasta.

2 - Bom eu vou embora. De verdade, eu tentei ser legal com você, conversar com você. Ficar perto, te entender. Mas você não fala nada, não me mostra o que você sente ou pensa. Parece que eu te deixo entediado, te canso.

1 - Eu tô cansado.

2 - De mim?

1 - De não falar o que eu penso.

2 - Então por que você não diz, não responde minhas perguntas?

1 - Porque você sabe a resposta. Porque você quer ouvir da minha boca pra se sentir bem. E porque eu não sei dizer eu te amo.

Número 2 olha assustado, talvez medo, talvez por choque.

Número 1 continuo ali. Ele não queria ouvir, não queria sentir, não queria pensar. Ele só queria dizer eu te amo, e o fez com os olhos.

Por menores que sejam as declarações de amor, elas existem, em cada vírgula, acento, entonação, ponto final, exclamação, interrogação, reticências, ironia, pleonasmo, metáfora, antítese, e juntando com o contexto o número 1 implorava amor.

O número 2 matava as aulas de português.

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